3.7.13

Na ponta dos dedos.


A campainha tocou justo quando ela se vestia após o banho. Terminou de abaixar o vestido e, com os cabelos pingando, correu para abrir a porta. Quando o viu, não fosse por estar com uma mão apoiada na parede, provavelmente teria desmaiado.
- Oi - murmurou ela, dividida entre um sorriso e uma carranca.
Ele nunca aparecia. Nunca. Ao menos não nos últimos tempos.
- Oi. Posso entrar?
- Hã... Claro.
Ela lhe deu passagem e fechou a porta em seguida. Seus pensamentos se pareciam muito com o estado de seus cabelos: escorregadios. Em um segundo, queria correr para os braços dele e, no outro, mandá-lo embora para nunca mais voltar. Mas não se decidia. Não quando se tratava dele. E esse era o seu maior defeito.
- Acabou de sair do banho?
- Sim, não tive tempo nem de secar os cabelos.
- Você não seca os cabelos nem quando tem tempo. Vejo que não mudou muita coisa - ele riu.
- É que as minhas mudanças não são para serem vistas - ela disse com firmeza. A segurança em suas palavras foi tanta, tanta que ele franziu a testa. Ela nunca falava com ele dessa forma.
- O que aconteceu? - perguntou ele, cruzando os braços e se aproximando dela com cuidado.
- Você aconteceu. O que você quer, afinal?
Ele descruzou os braços, enfiando as mãos com força nos bolsos da calça, e pensou em uma resposta que não revelasse muita coisa de como estava se sentindo. Mas como faria isso, pensou logo em seguida, se a presença dele já dizia tudo?
- Vim ver você.
- Me ver? Você enlouqueceu? Sabe que dia é hoje?
- Pelo jeito você vai acabar me contando.
- Hoje vocês fazem dois anos de namoro.
"Vocês". Não "nós". Nunca mais.
- Eu sei disso. E esse é parte do problema.
- Que problema?
- Precisei ver você - ele deu de ombros.
- Justo hoje?
- Hoje.
- Por quê?
- Quer mesmo saber? - ela assentiu. Ele suspirou e se sentou no sofá. - Porque lembranças não desaparecem de uma hora para a outra. Porque eu me peguei pensando em quando nós fizemos dois anos. Porque eu me lembrei de quando fizemos sete ou oito ou dez. E me veio à cabeça o fato de que esse ano faremos onze, e a ideia de não te ver quase me sufocou.
- Nós não estivemos juntos em nenhuma dessas datas. Não "juntos" como se deve. Já não estamos assim há muito tempo.
- Eu sei. Mas alguma coisa em mim se recusa a apagar a gente. Para mim, sempre seremos "nós". Aquele par que não combina em nada, que nunca daria certo, que sabe que o nosso "felizes para sempre" não vai chegar, e que nem acredita em "para sempre" para começo de conversa.
- Mas você está aqui. E ela está lá.
- Eu marquei de vê-la mais tarde.
- Ah, claro...
Ela mordeu o lábio inferior e piscou diversas vezes. Ele sabia que o brilho em seus olhos era por conta das lágrimas, mas não se importou. Ela era forte. Sempre fora. Muito mais do que ele.
- Mas tenho algum tempo.
- Quanto?
Ela se odiou por perguntar, por se importar, por desejar que ele respondesse "a vida toda, se você quiser." Porque ela queria. Queria e se odiava por isso.
- Algumas horas.
E ela não queria perder um minuto sequer. Correu na direção dele e o abraçou. E enquanto ele a beijava, ela segurava na ponta dos dedos tudo aquilo que sempre desejara. E que iria desejar para sempre. Ainda que não acreditasse nisso.


"Dos años de puras risas!"

5 comentários:

  1. E os meus olhos estão como o dela. De que adianta eu te inspirar se sempre prefiro o que voce escreve (tambem naquele outro casal que voce nunca escreve) e voce acaba me inspirando? Eu gostei de cada palavra, cada detalhe e, por mais que eles ja nao fazem parte da minha vida (nao como antes, porque eles sempre farão parte), eu consegui imaginar tudo perfeitamente com um sorriso enorme no rosto. E eu percebi que eu sinto falta disso. Nao dos dois juntos como ha dez anos atras, mas os dois de oito, sete, seis anos, sabe? E o pior, eu prefiro eles no agora, nessa fase dos 30 e nao na dos 20. Mesmo que hoje tudo seja muito diferente, eles tenham pessoas em suas vidas, mesmo que eu ache a dele muito mais seria que a dela e, ainda que nao saiba nada sobre o outro lá, eu queria que ela se desse bem com ele de verdade. E no fim, eu senti um mix de sensações. A primeira felicidade, porque nao adianta eles negarem, nos negarmos. E assim e sempre será, mesmo que eu não saiba de m*rda nenhuma no fim dos contas. Mas eu me senti triste, por aquela outra que eu tambem tenho certeza que gosta dele e ele dela, mas que nao tem a mínima idéia do que se passa dentro dele. Ou talvez tenha, entenda, e por isso aceite. Lindo e profundo como sempre, GG :)

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    1. pior que também prefiro agora. o que deu na gente?

      e, enquanto escrevia, também pensei na "outra" (não adianta, todas serão outras pra mim haha) e fiquei triste. há um tempo já venho escrever sobre ela também, quem sabe um dia.

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  2. Não achei graça na maneira como você trucidou meu coração, ok?


    Recomposta, posso dizer que vi os dois antes de voltar pra confirmar nas tags que eram eles, x) Acho bonito o quão particular e único você descreve eles. Dá sempre pra ver em algum lugar, mesmo sem saber. Meio que reconhecer a aura que eles tem nas suas letras, se é que isso faz algum sentido.
    E, bem, eu sou daquelas que acredita em "para sempre", então não sei, essa tristeza em bloco meio que vai contra meus sentimentos naturais e me dá vontade de chorar. Sou do time do sempre acredito, do quem sabe um dia. E quando o assunto é eles... não sei, "quem sabe um dia" mantém meu coração mais aquecido.

    (mãe, não quero crescer pra realidade cruel em que gente que se ama fica separado).

    beijo, Bru.

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    1. sou bem como você. levo minha vida na base do "quem sabe um dia". uma pena que nem todo mundo seja do mesmo jeito :/

      (que bom que a aura deles está presente. gosto de não tentar e, mesmo assim, elas estarem ali.)

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  3. Esses dias me peguei escrevendo sobre eles...
    É tão bom ler sobre eles. É tão bom ler sobre eles quando vocês escreve. Estava com saudade disso.

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