18.12.12

Até mais.


Ela estava encarando o relógio quando o viu marcar meia-noite. Pronto, já era aquele dia do ano de novo. Suspirando, deu as costas para a medida do tempo em cima do criado-mudo como se assim pudesse ignorá-la. Não podia. Afinal, todos os seus pensamentos acabavam, de uma forma ou de outra, descansando sobre ele. Sobre eles.
Não conseguiu dormir naquela noite, e as olheiras e o mau humor do dia seguinte eram os indicativos disso. A primeira coisa que fez ao acordar foi tomar um café dos mais fortes que pôde encontrar. Respirando fundo, sentou-se à mesa e tentou, desesperadamente, encontrar algo com o qual se distrair.
O Natal se aproximava, e ela pensou em procurar alguma receita nos arquivos de sua mãe. Mas era péssima na cozinha e sua sensata família jamais a deixaria chegar perto do fogão. Decidiu telefonar para sua irmã e tentar falar com sua sobrinha ao telefone.
Clara balbuciou durante toda a "conversa", como o bebê que era, mas foi suficiente para acalmá-la. Sua sobrinha era seu amor. A pessoa que ocupava o lugar mais importante na sua vida. Um lugar que, há dez anos, começara a ser preenchido por um outro alguém. Esse tempo, no entanto, já havia terminado. Para sempre. Mesmo que ela não conseguisse esquecer aquela data. Ou aquele alguém.
Após desligar o telefone e terminar o café, sentiu que precisava escrever. Estava a caminho do quarto quando escutou a campainha. Olhou ao redor, mas sua mãe ainda estava nos jardins dos fundos e não havia mais ninguém em casa. Foi atender.
Sorriu para o entregador quando o escutou dizer seu nome, mas não se lembrava de ter comprado nada. O embrulho era mediano e ela não conseguiu adivinhar o que ele continha só pelo tato. Curiosa, assinou o recibo e subiu correndo as escadas.
Chegando no quarto, sentou-se na cama e abriu o pacote, ansiosa. Mas, lendo o pequeno cartão que o acompanhava, descobriu que o presente não era para ela: Sei que Clara ainda é muito pequena, mas nunca é cedo demais para se incentivar a leitura, certo? Espero que ela goste desse livro tanto quanto a tia. Feliz Natal.
Sorrindo, ela manuseou com cuidado a cópia de O Pequeno Príncipe que ele comprara. Ela pequena e delicada, igual a Clara. Ela sorriu, imaginando as vezes em que leria a história para a sobrinha até que ela conseguisse ler por si própria.
Após o entusiasmo, entretanto, veio a raiva. Esperto como sempre, ele a forçara a entrar em contato. E ele, conhecendo-a tão bem, sabia que ela o faria, nem que fosse apenas para agradecer a gentileza do presente. Suspirando, pegou o celular e discou o último número dele do qual tinha conhecimento. Se tivesse sorte, já não seria o mesmo.
- Alô?
- Oi - murmurou.
- Oi, Dulce - ela percebeu o sorriso dele através da linha telefônica e sentiu um pouco mais de raiva. Supostamente, ele não deveria ficar feliz.
- Oi - ela soltou uma risada mecânica. - Recebi o presente. Obrigada. Clara vai adorar.
- Por nada - ele sussurrou. - Espero que você também se divirta lendo para ela.
- Pode contar com isso - ela sorriu, sentindo toda a tensão se esvair. De repente, era como se nunca houvessem terminado, como se nunca houvessem tentado se esquecer. Ele era apenas ele de novo.
- Pensei em comprar alguma coisa para você, mas deduzi que um presente para a sua sobrinha te faria mais feliz.
- Deduziu bem. Intuição virginiana, certo?
- Lá vem você com essas coisas.
- "Coisas"? A astrologia é uma área muito estudada, se quer saber.
- Continuo não acreditando.
- Ok, ok. Mas ela não deixa de existir só porque você não acredita.
Foi só após tê-la dito que ela pensou em um significado maior para aquela frase. Ele ficou em silêncio por um tempo, provavelmente tendo seus próprios pensamentos a respeito.
- Você realmente pensa assim?
- Assim como?
- Que uma coisa não precisa da nossa crença para existir.
- Sim, eu realmente penso.
- Hum.
- Hum? Que tipo resposta é "hum"?
- Nada, só estou pensando.
- Sei. Pensando no quê?
- Sei lá - ela quase pôde vê-lo dando de ombros.
- Ei, sabe que hoje é dia 18?
- Claro que sei.
- E ele não foi o motivo de a entrega acontecer justo hoje?
- Talvez.
- Talvez? Hoje suas respostas estão tão frustrantes!
- Engraçado, costuma ser o contrário - ela começou a rir e ele logo a acompanhou, ficando sério logo em seguida - Desculpa, eu não quis...
- Sem problemas, você tem razão. Eu sou mesmo muito frustrante.
- Escuta, eu preciso desligar. Ainda preciso terminar de ler um roteiro.
- Claro! Desculpa por te prender por tanto tempo.
- Não se preocupe. Foi bom ouvir a sua voz.
- Foi bom ouvir a sua também.
- Mas o que eu queria mesmo era ver você.
- Eu...
- É complicado, eu sei.
- Não, o que eu iria dizer é que eu também queria te ver. Sinto saudade dos nossos abraços.
- Eu também sinto.
- Mas a vida segue, não é? Quem sabe um dia.
- Um dia.
- Fica bem. E tenha um feliz Natal.
- Você também, pequena.
- Velhos hábitos, uh?
- Não foi um ato falho, Dulce, eu realmente gosto de te chamar assim.
- Ok...
- Ok, então. Até mais.
- Até mais.


3 comentários:

  1. Ai que triste! Meu coração já apertou só de ver a foto, mas ai, ler até o final encheu meu olhos d'água. Acho que é a primeira vez que uma história deles pra mim soa como desesperança. Deixa de apertar meu coração, bru! Eu prefiro sempre acreditar que ainda existe. Mesmo que não se acredite ou se veja. "O essencial é invisível aos olhos". Já disse Saint Exupéry.

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  2. Só pra constar, essa é minha foto preferida deles. Não tem como olhar pra essa foto e não sorrir. Eles sempre serão minhas "ardillas borrachas" prediletas.

    Obrigada por manter viva a nossa lembraça, Bru.

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