20.11.12

Infindável.



A música chegara ao final, mas as lágrimas pareciam não terminar. Ela estava tentando secá-las quando um barulho na cozinha e um xingamento abafado quase a fizeram correr para ajudá-lo com qual fosse o problema, mas ele reapareceu na sala em questão de segundos.
- Essa tipoia já me esgotou a paciência - resmungou ao se sentar no sofá ao lado dela. - Não posso sequer segurar um pote de sorvete como uma pessoa normal! Não, ele precisa cair da minha mão e derrubar tudo que encontra pelo caminho. Aliás, não fique brava, mas quebrei sua caneca favorita. Não se preocupe. Compro outra amanhã mesmo. O que mais existem por aí são canecas de time. Ainda mais desse seu, que ninguém compra...
Com um sorriso que tinha por objetivo provocá-la, ele olhou para o rosto dela. Foi aí que percebeu os caminhos que as lágrimas haviam deixado. Preocupado, puxou-a para perto de si e lhe deu um beijo na têmpora.
- Desculpa. Juro que compro outra assim que alguma loja abrir amanhã.
- Não é pela caneca - ela riu e secou mais algumas lágrimas que insistiram em cair.
- Então o que foi? Eu estava brincando sobre a tipoia. Não incomoda tanto.
- Eu sei que incomoda - ela sorriu, olhando-o nos olhos. - Mas obrigada por tentar me acalmar. Mal posso esperar para que as sete semanas se passem voando e você tire isso de vez. Mas não é por esse motivo que estou chorando.
- Não é a caneca. Nem meu sofrimento sem fim - ele fez uma careta. - Então o que aconteceu nos minutos em que fui pegar nosso sorvete?
- Espera aí.
- Ok.
Ela se esticou para pegar o celular que estava no braço do outro sofá e começou a procurar alguma coisa nele. Quando encontrou o que precisava, colocou o aparelho na frente dele e apertou o play.
Ao fim da apresentação, ele estava um pouco pálido.
- Foi isso que me fez chorar.
- Ela cantou muito bem - murmurou.
- Não seja tão mesquinho com as palavras - ela brincou. - Ela foi magnífica. E a história por trás da música só fez tudo ficar ainda melhor.
- É uma música triste.
- Uhum... Me fez lembrar de muita coisa.
- Dele?
- Dele... E do medo que eu tive de te perder assim que soube que você tinha capotado.
- Mas não perdeu - ele afirmou com os dentes cerrados.
- Não, não perdi - ela lhe depositou um beijo no maxilar e sentiu que ele relaxava.
- Me lembrei dele também.
- Lembrar é bom - ela sussurrou.
- Criar novas lembranças seria ainda melhor - ele deu um sorriso triste e voltou a abraçá-la. Mais forte dessa vez.
- O que eu vou falar é muito clichê, mas...
- Não é você que diz que os clichês são somente as verdades que se repetem?
- E são. Você precisa agradecer pelo tempo que teve com seu pai, sabe? Foram trinta e dois anos de uma convivência que ajudou a construir o homem que você é. Ele faz parte de você de um jeito... Infindável.
- É - ele suspirou. E depois sorriu: - Até que você tem razão.
- Sempre tenho - ela o cutucou ligeiramente nas costelas e riu da careta de dor que ele fez. - Desculpa, esqueci que elas ainda estão doloridas.
- Só um pouco. A tipoia é o pior. Nem sei como você ainda quer que eu esteja presente na festa de aniversário semana que vem.
- É a sua festa! - ela fez questão de lembrar. - E esses 35 anos precisam ser devidamente comemorados.
- Mas a dor é muito grande. E o incômodo é quase impossível de se suportar... - ele suspirou com exagero.
- Coitadinho...
- Muito. Ei, sabe que outro clichê funcionaria perfeitamente agora?
- Qual?
- Um beijo no machucado faz a dor passar.
- Ah, é? - ela riu.
- Sem dúvidas.
- Qualquer beijo ou...
- Não qualquer beijo - ele beijou a ponta do nariz dela. - Só o seu.
Sorrindo, ela sentou no colo dele e plantou um beijo cuidadoso no ombro machucado.
- Melhor agora?
Colocando o braço bom ao redor da cintura dela, ele sorriu lentamente.
- Nem perto.

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