29.11.11

Fugitiva.



- Ei, por que todo esse silêncio de repente? - ele ergueu o corpo e segurou um cacho dos cabelos dela enquanto murmurava a pergunta.
- Preciso te dizer uma coisa...
- Que coisa? Deve ser importante se conseguiu te deixar quieta por tanto tempo - ele sorriu, mas ela não conseguiu retribuir o gesto. - Ei... O que foi?
- Eu... - ela respirou fundo e em seguida segurou o rosto dele entre suas mãos pequenas. - Eu cometi um erro.
- Você está me deixando preocupado - ele segurou os pulsos femininos dentro de suas mãos, acariciando a pele como se tentasse acalmar os batimentos cardíacos que percebia estarem acelerados.
- Eu me apaixonei por você - sussurrou. - De novo. Lembra da primeira vez? Quando eu te disse e você... E você desapareceu? Desde que a gente se reencontrou naquele supermercado, eu tentei mentir para mim mesma... Mas não importa quantos anos se passem, eu ainda vou querer te dizer a verdade. Juro que pensei que poderia lidar com esse sentimento agora que estou mais madura - que nós dois estamos -, mas cheguei ao meu limite. Eu precisava dizer, mesmo sabendo o que poderia acontecer se eu o fizesse. Lembra o que você me disse na outra vez? Que não estava pronto pra me amar? 
Com certa dificuldade de acompanhar a conversa, ele assentiu e percebeu as mãos dela se afastando de seu rosto.
- Eu só preciso saber se alguma coisa mudou...
Sempre haviam lhe dito que o tempo era relativo, e naquele momento ele teve a oportunidade de comprovar por si mesmo que era verdade. Sentiu como se os segundos parassem depois daquela pergunta implícita. Tentou olhá-la de frente, mas só o que conseguiu foi olhar para a parede enquanto via a vida que levava passando pela sua cabeça. Sempre solitário, nunca com bagagem desnecessária, sempre caminhando sozinho, nunca dependendo de outra pessoa para ser feliz...
E ela soube. Quando ele não pôde olhá-la nos olhos, ela simplesmente soube. Levantou-se da cama, colocou algumas peças de roupa dentro da mochila, calçou os tênis, vestiu o casaco e saiu. Não se incomodou em fechar a porta, só precisava colocar o máximo possível de distância entre ela e aquele amor que era só dela.
Quando alcançou a avenida movimentada, o único som que realmente escutava era seu próprio caminhar; nem as buzinas dos carros, nem os gritos de alguns motoristas estressados, nem a chuva que a ensopava. Apenas seus próprios passos, um após o outro e cada vez mais acelerados, como se quisessem marcar o ritmo de seu coração tresloucado. Não estava fugindo por que queria. Fugia por que simplesmente não podia permanecer.


P.S.: Pauta para a 96ª Edição Visual do Bloínquês.

5 comentários:

  1. Nossa, que triste :s Mas meus parabéns, você escreve bem e muito legal o blog :) Continua postando, hein?

    Bjs

    ResponderExcluir
  2. Caraco, meio tenso, não? De qualquer forma, excelente forma de escrita!

    ResponderExcluir
  3. Nossa! Muito bom... Já te disse que aprecio muito a forma que escreves? Pois é, gosto muito.

    Bjocas e eutimia.

    ResponderExcluir
  4. Dramático, lindo. Adoro quando os textos parecem fazer mais parte da realidade do que do mundo colorido que gostaríamos de viver. Adorei.
    Lindo blog, parabéns.
    Beijo.

    ResponderExcluir
  5. Carregado de sentimento, é assim que gosto de ler!
    Lindíssimo!

    ResponderExcluir